A restituição de honorários advocatícios contratuais por meio de ação indenizatória autônoma tem sido negada, como regra, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
De modo geral, os recursos que têm chegado ao STJ com essa matéria discutem o reembolso dos honorários contratuais pagos pela parte vencedora ao seu advogado. A parte que não dispõe de outra saída a não ser ajuizar uma ação ou oferecer defesa se sente lesada por ter sido compelida a arcar com os custos dos serviços jurídicos dos seus advogados e busca ter restabelecido o status quo ante, a partir do recebimento de uma indenização do causador do litígio.
A Corte também já se debruçou sobre a hipótese em que a atuação do advogado se deu na esfera administrativa, assim como foi chamada a analisar caso envolvendo a execução de um contrato no qual havia expressa previsão de inclusão, nas perdas e danos a serem adimplidas pelo executado, dos honorários despendidos pelo exequente em razão da atuação extrajudicial de seu representante na cobrança da dívida.
Para melhor entendimento da controvérsia, é relevante lembrar que, segundo os arts. 389, 395 e 404 do Código Civil, em caso de não cumprimento de obrigação ou constituição em mora, o devedor deve arcar, além das perdas e danos, com os juros, atualização dos valores monetários por índices oficiais e honorários de advogado.
Considerando que os dispositivos não deixam clara a natureza dessa última verba (honorários de advogado), iniciaram-se discussões sobre a possibilidade de se obter do perdedor de determinada ação, a título de indenização pelos danos materiais, a restituição dos honorários contratuais suportados pelo vencedor.
No ano de 2011, a Terceira Turma do STJ, por unanimidade e sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi, entendeu que os honorários contratuais deveriam ser ressarcidos à parte lesada por aquele que deu causa ao processo, com fundamento no princípio da reparação integral (REsp n. 1.134.725/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. em 14.6.11).
Pouco depois, ainda em 2011, no julgamento do EREsp 1.155.527/MG, a orientação foi modificada. Foi decidido pela 2ª Seção, por unanimidade, que a contratação de advogado não enseja ilícito gerador de danos materiais, mas constitui consequência natural do exercício de um direito legítimo, seja de ação ou de defesa.
Em voto-vista nos embargos de divergência, a Ministra Nancy Andrighi destacou que “a expressão ‘honorários de advogado’, utilizada nos arts. 389, 395 e 404 do CC/02, deve ser interpretada de forma a excluir os honorários contratuais relativos à atuação em juízo, já que a esfera judicial possui mecanismo próprio de responsabilização daquele que, não obstante esteja no exercício legal de um direito (de ação ou de defesa), resulta vencido, obrigando-o ao pagamento dos honorários sucumbenciais” (EREsp n. 1.155.527/MG, Rel. Min. Sidnei Beneti, Segunda Seção, j. em 13.6.12).
Posteriormente, tanto a Terceira Turma, quanto a Segunda Turma do STJ, proferiram decisões favoráveis à restituição dos honorários contratuais por meio de ação indenizatória. Exemplificativamente, pode-se apontar os seguintes precedentes: (i) AgRg nos EDcl no REsp n. 1.412.965/RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, Terceira Turma, j. em 17.12.13; (ii) AgRg no AREsp n. 606.676/RS, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, j. em 10.2.15; (iii) AgRg no REsp n. 1.410.705/RS, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, j. em 10.2.15; e (iv) AgInt no AREsp n. 809.029/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. em 9.8.16.
O cenário era de incerteza, havendo manifestações conflitantes do Tribunal.
Em 2016 a jurisprudência começou a se consolidar em uma direção. No julgamento do EREsp n. 1.507.864/RS, ocorrido em abril daquele ano, a Corte Especial decidiu pela impossibilidade de o perdedor de uma ação arcar com honorários contratuais firmados pelo vencedor com seu patrono “em circunstâncias particulares totalmente alheias à vontade do condenado” (EREsp n. 1.507.864/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, Corte Especial, j. em 20.4.16).
A partir de então as Turmas de Direito Público e de Direito Privado do STJ passaram a afirmar, em uníssono, que tal dispêndio não constituiria um ilícito, mas seria inerente ao exercício dos direitos constitucionais do contraditório, ampla defesa e acesso à justiça. A título ilustrativo, confira-se: (i) AgRg no AgRg no REsp n. 1.478.820/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. em 12.4.16; (ii) AgRg no REsp n. 1.533.892/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, j. em 2.6.16; (iii) REsp n. 1.696.910/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. em 16.11.17; (iv) AgInt no REsp n. 1.675.581/SP, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª Região), Quarta Turma, j. em 27.2.18; e (v) AgInt no AREsp n. 1.254.623/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. em 25.6.19.
Mais recentemente, no julgamento do AgInt no AREsp n. 2.135.717/SP, ocorrido em 30.10.23, a Segunda Turma foi chamada a decidir a questão em cenário diverso. Na origem, tratava-se de ação indenizatória movida por uma incorporadora contra a Prefeitura Municipal de São Paulo, por meio da qual objetivava reaver os valores desembolsados na contratação de “advogados, técnicos e juristas renomados” para atuação em processo administrativo. (AgInt no AREsp n. 2.135.717/SP, j. em 30.10.23).
Após a apresentação da impugnação ao lançamento, o Município reconheceu a irregularidade na aplicação de multa milionária e determinou a sua anulação. Diante disso, a incorporadora buscou a via judicial para obter a reparação do dano patrimonial decorrente do pagamento dos honorários contratuais aos seus advogados.
A pretensão indenizatória não vingou. A Segunda Turma do STJ foi unânime ao decidir que as despesas assumidas pela contratante são inerentes ao exercício regular do direito de defesa. O acórdão foi assim ementado:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS. RESTITUIÇÃO A TÍTULO DE DANOS MATERIAIS. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. ACÓRDÃO DE 2º GRAU EM DISSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.
I. Agravo interno aviado contra decisão que julgara recurso interposto contra decisum publicado na vigência do CPC/2015.
II. Trata-se, na origem, de Ação de Indenização ajuizada pela parte ora agravante em desfavor da Prefeitura Municipal de São Paulo, com o objetivo de obter o ressarcimento dos danos materiais advindos da contratação de advogados, técnicos e juristas renomados para a defesa de seus interesses em processo em que fora autuada pela demolição de imóvel em que desenvolvia empreendimento imobiliário. O Tribunal de origem reformou a sentença, que julgara improcedente a demanda.
III. O acórdão recorrido encontra-se em dissonância com a jurisprudência desta Corte, segundo a qual “a contratação de advogados para defesa judicial de interesses da parte não enseja, por si só, dano material passível de indenização, porque inerente ao exercício regular dos direitos constitucionais de contraditório, ampla defesa e acesso à Justiça” (STJ, AgRg no AREsp 516.277/SP, QUARTA TURMA, Rel. Ministro MARCO BUZZI, DJe de 04/09/2014). Nesse sentido: STJ, AgInt na PET no AREsp 834.691/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 13/02/2019; REsp 1.696.910/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 19/12/2017; AgRg no AgRg no REsp 1.478.820/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, DJe de 19/04/2016; AgRg no AREsp 810.591/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, DJe de 15/02/2016.
IV. Na hipótese, estando o acórdão recorrido em dissonância com a jurisprudência sedimentada nesta Corte, merece ser mantida a decisão ora agravada, que conheceu do Agravo, para dar parcial provimento ao Recurso Especial interposto pelo Município de São Paulo, a fim de reconhecer a impossibilidade de a Municipalidade arcar com os honorários contratuais do profissional contratado pela parte autora.
V. Agravo interno improvido.
(AgInt no AREsp n. 2.135.717/SP, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, j. em 30.10.23).
Bem vistas as coisas, esse último caso deveria ter merecido especial atenção, para, inclusive, se avaliar a hipótese de se fazer uma distinção com os julgamentos anteriores. Isso porque a atuação dos patronos contratados se deu na esfera administrativa municipal, via em que não há um mecanismo próprio de responsabilização da parte perdedora, em analogia aos honorários sucumbenciais, previstos no art. 85 do CPC.
Foi o que se viu, em um paralelo, no julgamento do REsp n. 1.644.890/PR, ocorrido em 18.8.20, quando a Terceira Turma privilegiou a autonomia da vontade das partes para manter cláusula que previa a inclusão dos honorários contratuais na execução de contrato de locação de espaço em shopping center. Embora, na origem, não se tratasse especificamente de ação indenizatória para reaver o valor ajustado entre advogado e cliente, a relevância do precedente está no fato de a Corte ter considerado não haver bis in idem na condenação do locatário ao pagamento dos honorários sucumbenciais e dos honorários contratuais (REsp n. 1.644.890/PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. em 18.8.20).
Decerto, os recursos sobre o tema merecem atenção. Há, como visto, circunstâncias fáticas específicas que podem motivar o pedido e a condenação, da parte vencida, à restituição dos honorários contratuais pagos pela parte vencedora. Além disso, a orientação jurisprudencial dominante, que rejeita como regra a indenização, ainda não foi submetida ao rito dos recursos repetitivos.